quinta-feira, 8 de março de 2012

Experimento leva à medição de propriedades de antiátomos


Um grupo internacional de pesquisadores, com participação brasileira, mediu pela primeira vez as propriedades de átomos de antimatéria.
O feito é impressionante por duas razões: a primeira é que antiátomos não são encontrados na natureza e precisam ser fabricados.
A segunda é que eles precisam ser mantidos sem contato algum com matéria convencional, sob pena de se transformarem em energia pura e desaparecerem.
O resultado, publicado no periódico científico britânico "Nature", é o primeiro passo para desvendar definitivamente por que nosso Universo é todo feito de matéria, não de antimatéria.
PEQUENAS DIFERENÇAS
Os cientistas acreditam que o Big Bang --evento gerador do Cosmos como é conhecido hoje, ocorrido 13,7 bilhões de anos atrás-- não tinha preconceitos: produziu partículas de matéria e antimatéria sem fazer distinção.
Faz sentido, até porque as antipartículas nem são assim tão diferentes de suas contrapartes convencionais. Exemplo: o antipróton é igual ao próton, exceto pela carga. Enquanto o primeiro tem carga negativa, o segundo é positivo. Mesma coisa para o antielétron, também conhecido como pósitron: ele é em tudo similar ao elétron, mas com carga invertida.
Um resultado de a antimatéria ser essa versão "espelhada" das partículas com que estamos familiarizados é o fato de que, quando elas colidem, ambas se aniquilam mutuamente, na forma de energia.
Foi exatamente o que aconteceu logo no princípio da vida do Universo: partículas e antipartículas colidiram e produziram toneladas de energia. Mas, se todas se aniquilaram mutuamente, como estamos aqui?
Por sorte nossa, matéria e antimatéria são extremamente similares, mas não idênticas. Por conta disso, no Big Bang, um excedente modesto de matéria foi criado.
Quando o pau comeu solto entre partículas e antipartículas, ainda sobrou um pouquinho das primeiras --o suficiente para fabricar tudo que vemos hoje no Cosmos, incluindo nós mesmos.
É em busca da identificação dessas sutis diferenças que os cientistas trabalham com afinco em laboratórios de física de partículas pelo mundo afora.


CAPTURA E LEITURA
O grupo do experimento Alpha, instalado no Cern (grande centro europeu de física de partículas), tem trabalhado consistentemente nesse esforço. Seu primeiro grande feito foi demonstrar que conseguiam fabricar e aprisionar antiátomos.
Prender um antipróton, com sua carga negativa, é relativamente simples, uma vez que campos magnéticos positivos (repelentes) podem retê-los sem que eles toquem em nada feito de matéria.
Contudo, quando você coloca um pósitron para girar ao redor dele --formando um antiátomo completo de hidrogênio--, as coisas ficam bem mais complicadas. A carga do pósitron compensa a do antipróton, e a manipulação via campos magnéticos se torna um desafio bem maior.
Essa foi a primeira vitória do grupo: conseguir capturar o anti-hidrogênio. Negócio delicado. A cada 6.000 antiátomos fabricados, apenas um é capturado. O sucesso no aprisionamento, mantido por mais de dez minutos uma vez feito, já havia sido reportado no ano passado.
O grande novo avanço foi a capacidade de medir as propriedades desse átomo em duas condições distintas.


ÁTOMOS EM FUGA
Com o auxílio de micro-ondas disparadas na direção da armadilha, os cientistas faziam com que uma das propriedades do pósitron (o spin) mudasse. Isso tornava a captura impossível, e o antiátomo fugia da armadilha, colidindo com um detector.
Os pesquisadores então contrastaram essa medida obtida com uma similar, feita quando o átomo, em seu estado capturado, era "liberado" da armadilha. Assim, puderam comparar as características em um e outro estado.
Os resultados revelaram o que se esperava uma semelhança extrema entre o anti-hidrogênio e sua contraparte feita de matéria convencional. Mas é só o começo, alertam os cientistas.
"Essas medidas de micro-ondas são de baixa precisão", afirma Claudio Lenz Cesar, físico da UFRJ que participou do experimento. Além dele, Daniel de Miranda Silveira, também da UFRJ, fazia parte da equipe internacional.
"Para a rodada deste ano, que começa em maio, estamos desinstalando todo o equipamento antigo e vamos instalar o novo, para tentar a interação dos antiátomos com laser", revela Cesar. "Aliás, o laser está sendo desenvolvido no Rio."
Com ele, será possível aumentar radicalmente a precisão --em 100 milhões de vezes, para se ter uma ideia. "Aí já vai dar para colocar novos limites, por exemplo, na comparação da massa do pósitron com a do elétron", diz.
Contudo, as maiores surpresas só devem ser reveladas ainda mais adiante, com mais duas ordens de grandeza na precisão --10 bilhões de vezes mais que as medidas atuais. "Aí estaremos em território 'virgem', nunca antes testado nem indiretamente."
Pelo visto, os mistérios da antimatéria não devem se dissipar tão cedo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário