Estudo sobre neutrinos deve conter 'erros sutis', afirma Nobel de Física
O norte-americano William Daniel Phillips consegue brecar átomos com lasers,
já recebeu até um Nobel pelo feito, mas prefere citar humildemente os amigos ao
comentar sobre o principal assunto do mundo da física nos últimos meses: partículas
que, em laboratório, teriam superado a velocidade da luz.
"É consenso entre meus colegas nessa área que o estudo deve conter erros
sutis", afirma o pesquisador
, após uma aula magna a
alunos de engenharia na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em São
Paulo.
Ao comentar a polêmica recente levantada pela equipe de cientistas no
laboratório Gran Sasso, na Itália, Phillips declara achar "difícil" que o estudo
esteja correto. "Mas os pesquisadores de lá já fizeram novamente o experimento e
chegaram aos mesmos resultados. Caso estejam certos, seria um grande impacto na
Física", diz.
Físico William Phillips deu palestra em São Paulo.
O "tsunami" atingiria até mesmo a teoria da Relatividade, desenvolvida pelo
físico alemão Albert Einstein em 1905, que define a velocidade da luz como um
limite para qualquer
informação ser transmitida.
Uma explicação clássica usada pelos cientistas é um hipotético "extermínio do
Sol": caso a estrela deixasse de existir de repente, os terráqueos só saberiam
disso depois de oito minutos. Este é o tempo que a luz leva para percorrer a
distância entre o Sol e o nosso planeta.
"Até agora, nós aprendemos que nenhuma informação pode ser transmitida mais
rápido que a luz. Mas se eu apontar e mexer minha caneta laser para uma parede
muito distante, a marquinha projetada na parede pode alcançar velocidades
maiores", diz Phillips. Ele cita pulsos de luz como exemplos de "violadores" que
podem ultrapassar esse limite (aproximadamente 300 mil km/s).
Ao notar a confusão que sua afirmação causou nos ouvintes, o cientista
prossegue. "Isto não quer dizer nada, é apenas um truque, uma marca na parede
não é algo que 'carregue dados'. Eu continuo sendo proibido pela natureza de
levar informação de um ponto da parede ao outro acima da velocidade da luz."
Brecando átomosPhillips recebeu o Nobel de Física em
1997 junto com outros dois cientistas: o também norte-americano Steven Chu e o
francês Claude Cohen-Tannoudji. Eles levaram o prêmio por serem responsáveis
pelo desenvolvimento de técnicas para esfriar e "aprisionar" átomos com
laser.
Na temperatura ambiente, átomos vagam pela natureza a velocidades de até 4
mil km/h. Mas os cientistas conseguem fazer certos materiais alcançarem quase
-273°C em laboratórios.
Um iPad é apenas um ábaco que trabalha muito rápido, usando
elétrons ao invés de contas"
William D. Phillips,
Nobel de Física em 1997
Nessas condições, é possível brecar átomos como os de hidrogênio até que eles
"andem" a uma velocidade razoável: 1 km/h (ou 27,7 cm/s). Para isso, Phillips
ajudou a criar uma técnica que "aprisiona" os átomos com lasers.
'Angry Birds' quânticoAtualmente, Phillips é professor
de física na Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e integra o Instituto
de Padrões e Tecnologia norte-americano (NIST). Sua pesquisa permitiu que ele
conhecesse bastante sobre física quântica e pudesse comentar sobre as
possibilidades da computação quântica - ramo da ciência que pode dar à luz
máquinas capazes de realizar cálculos impossíveis para as ferramentas
atuais.
Mesmo capazes de armazenar mais dados e realizar cálculos complexos,
computadores quânticos não devem tornar obsoletas as máquinas atuais. "A maioria
das pessoas, ao usar o computador, realiza operações aritméticas. E para essas
contas, o computador quântico não trará nenhuma vantagem", afirma Phillips.
O norte-americano não aposta, mas acredita que o uso dos computadores
quânticos deverá se manter aos laboratórios e não haverá apelo para o produto
entre os consumidores comuns."Você provavelmente não poderá se divertir com o
game 'Angry Birds' em um computador quântico", diz.
O físico falou sobre o universo da física quântica
O pesquisador explica que a diferença entre um bit normal e um bit quântico
está na capacidade que cada um tem de armazenar informação. Um bit normal é a
menor unidade para guardar dados que existe. Ele só pode assumir um valor: 0 ou
1. Nos computadores comuns, um grupo de 8 bits equivale a um 1 byte.
Já os bits quânticos seriam partículas capazes de carregar muitas informações
ao mesmo tempo, como se fossem versões expandidas do bit comum. Um computador
com apenas 300 bits quânticos poderia realizar mais cálculos do que o número de
átomos existente no Universo.
Você provavelmente não poderá se divertir com o game 'Angry
Birds' em um computador quântico"
William Phillips, ao comentar sobre
limitações da computação
quântica
Ábaco com elétronsPhillips compara a capacidade dos
computadores atuais às do ábaco, instrumento que até hoje é usado para ensinar
crianças a contar e que também é, em essência, uma máquina de computar. "Um iPad
é apenas um ábaco que trabalha muito rápido, usando elétrons ao invés de
contas", diz o Nobel de Física.
Já os ábacos da física quântica também apresentariam limitações, mas poderiam
ser muito úteis na área de encriptografia. "A vantagem dos computadores
quânticos será resolver problemas físicos mais rapidamente. Mas eles também
poderão ser usados para quebrar códigos."
Salvando o bóson de HiggsAssim como partículas, bits
quânticos e ábacos com elétrons não parecem assustar Phillips, a possibilidade
de erros na ciência não impressiona o norte-americano. "Se o estudo dos
neutrinos estiver errado, ou mesmo o LHC, isso faz parte do nosso trabalho",
afirma.
Como o próprio universo da física quântica "celebra" a existência de
incertezas na natureza, o cientista norte-americano lembra que mesmo os erros de
Einstein podem um dia significar material para o trabalho de futuros cientistas.
"É como o Nobel
de Física deste ano, que celebrou pesquisas que podem ter achado uma
utilidade à constante cosmológica, algo que Einstein criou e depois reconheceu
como um erro", diz.
Um exemplo de engano ocorreu há mais de cem anos, quando cientistas tentaram
salvar um conceito na Física chamado éter luminífero. Seria um elemento que
preencheria o espaço para que a luz pudesse ser propagada, assim como as ondas
sonoras usam o ar para serem transmitidas.
Testes foram feitos para detectá-lo, todos sem sucesso, até que a teoria da
Relatividade de Einstein o tornou dispensável. Agora, o Grande Colisor de
Hádrons (LHC, na sigla em inglês), outro experimento conduzido pelo Cern, está à
procura de uma partícula que parece ser tão difícil de ser encontrada quanto o
éter luminífero: o chamado bóson de Higgs, a peça-chave para explicar como os
átomos conseguiram "segurar" massa quando foram criados.
Ao escutar a hipótese de que a procura pelo bóson de Higgs pode ter um fim
igualmente trágico, Phillips demonstra não ter medo do futuro. "Talvez essa
partícula nunca seja descoberta mesmo. Mas alguns colegas meus, especialistas em
física de partículas, não se mostram tão preocupados, já que o mecanismo que
Higgs descreveu pode existir mesmo sem o bóson", diz.