terça-feira, 22 de maio de 2012

Nepalês pesquisa idioma que tem apenas uma falante viva

Gyani Maiya Sen é uma aldeã do Nepal de 75 anos muito especial, porque em seus lábios se conserva viva a herança do kusunda, um idioma em extinção de origem desconhecida que os especialistas se esforçam para conservar.

Ela é a última falante conhecida do kusunda. Há outras pessoas -- como seus filhos -- que sabem algumas palavras, mas ela é a única capaz de manter uma conversa fluente, e isto em teoria, já que até agora não tinha com quem praticar.
Gautam Bhojraj, um estudioso nepalês de 27 anos que se dispôs a assumir a tarefa de manter viva esta língua, própria de uma tribo florestal que deixou a vida nômade há poucas décadas.
"Se falo a língua, ela se conservará", diz Gyani Maiya à Agência Efe por telefone, em nepalês, de seu povoado no oeste do Nepal. "Antes não tinha ninguém com quem praticar".
Segundo o censo nepalês de 2001, entre os 26 milhões de habitantes do país, restavam apenas 87 pessoas da etnia kusunda.
"Mas isso é um exagero", ressalta à Efe o professor de linguística Madhav Prasad Pokhrel, da Universidade Tribhuvan de Katmandu, que orienta os trabalhos de Gautam Bhojraj para obter a conservação do kusunda.
Seu motivado orientando tentou encontrar nos últimos anos outros falantes do kusunda no oeste do Nepal, embora sem sucesso. "Algumas pessoas conhecem palavras do idioma, mas só Gyni Maiya pode falar bem", lamenta o pesquisador.
O povo kusunda, uma vez fora das florestas e estabelecido em povoados, deixou de falar sua língua e não a ensinou para seus filhos porque o resto da sociedade desprezava sua origem florestal. "Não nos preocupamos em aprendê-la porque não servia para nada", explica Prem Bahadur Pun, filho da última falante.
Gyani Maiya começou a viver em um povoado com seus pais quando tinha dez anos e se casou com um homem da etnia magar aos 15, enquanto seus companheiros de andanças nas florestas mudavam até o próprio nome para esconder suas origens.
No Nepal, coexistem mais de cem grupos étnicos que falam dezenas de idiomas, a maioria pertencente às famílias linguísticas sino-tibetana, indo-europeia, austro-asiática e dravidiana.
Mas o kusunda parece estar fora dessas categorias: "é uma língua isolada", afirmou o professor Pokhrel. Segundo o pesquisador Gautam, este idioma tem quase mil palavras-raiz, e a forma de combiná-las para formar novas palavras é distinta da de outras línguas.
"É uma língua estranha, mas gosto de aprendê-la. Tem alguns sons guturais, como os que se encontram no árabe e no turco", descreve Gautam.
O kusunda foi descoberto pelo Ocidente em 1969 por um antropólogo austríaco, mas começou a ser estudado em 1995, e graças às novas tecnologias e à arrecadação de recursos, os pesquisadores puderam começar os esforços de conservação no início deste ano.
O curioso é que, agora que há um estudante pesquisando o idioma, Gyani Maiya desempoeirou seus próprios conhecimentos de kusunda e já é capaz de falar a língua de seus ancestrais com muito mais fluência.
"Acho que no início ela tinha vergonha de falar em kusunda, mas agora fala comigo, e sua confiança para usar esta língua cresceu", ressalta Gautam.
Para ele, o problema é que a última falante de kusunda tinha começado a esquecer a sintaxe e a morfologia, e também não tinha os contextos necessários para pôr sua língua em prática. "Se perguntarmos a alguém como se diz uma palavra específica em sua língua, ela talvez não consiga responder, mas a palavra certamente aparecerá quando precisa ser usada no contexto apropriado".
Os contextos de Gyani Maiya eram os que lhe proporcionava sua mãe até sua morte, já faz 25 anos: ambas usavam o kusunda apenas quando precisavam dizer algo sem que as demais pessoas presentes entendessem. O último estertor "natural" do kusunda, portanto, funcionou como uma espécie de código secreto.

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