quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O Sol, amanhã

 HIP 102152: a 250 anos-luz de distância da Terra na constelação do Capricórnio
HIP 102152: a 250 anos-luz de distância da Terra na constelação do Capricórnio

A constelação de Capricórnio abriga a estrela mais parecida com o Sol já encontrada, com uma diferença importante: estima-se que a HIP 102152 tenha 8,2 bilhões de anos, enquanto aquela em torno da qual a Terra gira é uma jovem com idade de 4,6 bilhões. Aprofundar os estudos pode ajudar a antecipar o que vai acontecer com a estrela central do nosso sistema planetário. “O Sol segue a mesma trajetória evolutiva da HIP 102152”, disse durante coletiva de imprensa o astrofísico peruano Jorge Meléndez, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). Ele é coordenador do estudo internacional publicado hoje (28/8) no site da Astrophysical Journal Letters.

A estrela encontrada é a mais semelhante ao Sol que se conhece, tanto em termos de massa como de composição química. Mas ela fica longe: caso fosse possível viajar à velocidade da luz, seriam necessários 250 anos para chegar até lá. Por isso é impossível ver a HIP 102152 a olho nu, mas um telescópio amador já basta. Para caracterizá-la, porém, foi necessário recolher observações durante 2 noites no Very Large Telescope (VLT), um telescópio com espelho de 8 metros de diâmetro localizado no Cerro Paranal, e também ao longo de 40 noites (das 88 aprovadas) no telescópio de 3,6 metros em La Silla, ambos do Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizados no Chile. Com o equipamento de espectroscopia que integra o VLT, foi possível desdobrar a luz emitida pela estrela nas cores mais básicas e linhas de absorção, e com isso inferir propriedades como temperatura, gravidade, massa e idade. O espectrógrafo HARPS, do telescópio menor, foi usado na busca por planetas em torno da HIP 102152.
Uma diferença química importante é a quantidade de lítio, muito menos abundante na HIP 102152. Os pesquisadores comemoram o resultado, que confirma uma correlação importante entre esse elemento químico e a idade da estrela. “O Sol tem 160 vezes menos lítio do que tinha quando se formou”, diz Meléndez, descrevendo o que ele diz ser “um mistério na teoria clássica da evolução estelar”. Ao comparar essa quantidade com a observada na nova gêmea solar e na 18 Scorpii, uma gêmea solar mais nova, com 2,9 bilhões de anos, ficou claro que o teor de lítio no Sol se encaixa numa progressão natural da evolução das estrelas.


A vida de uma estrela parecida com o Sol desde o nascimento (esq.) até tornar-se uma gigante vermelha

A vida de uma estrela parecida com o Sol desde o nascimento (esq.) até tornar-se uma gigante vermelha

A semelhança química com o Sol também anima os astrofísicos por outro motivo. “É uma composição adequada para formar planetas como a Terra”, explica Meléndez. “Os planetas terrestres podem ter deixado uma assinatura na composição solar”, completa a astrofísica norte-americana TalaWanda Monroe, primeira autora do estudo e pós-doutoranda no IAG, com financiamento da FAPESP. Para ela, a composição de fato aponta para a existência de planetas em torno da HIP 102152, o que não se vê na 18 Scorpii. Os pesquisadores ainda não encontraram indícios deles, mas Meléndez considera isso uma vantagem. “Os mais fáceis de encontrar são os gigantes gasosos como Júpiter. Se existisse algum deles na zona habitável em torno da HIP 102152, ele desestabilizaria a órbita de planetas rochosos.” Com as observações que já acumulou, ele acredita que pode descartar a existência de planetas com mais da metade da massa de Júpiter. Do ponto de vista da exploração do Universo, os planetas menores e rochosos são os mais interessantes, por sua semelhança com a Terra e capacidade potencial de abrigar vida. A equipe já tem direito a 88 noites de observação para continuar a busca por planetas, mas com a instrumentação atual só será possível encontrar os que tenham pelo menos entre 5 e 10 vezes a massa da Terra. A busca por planetas menores precisará esperar por equipamento que já está sendo desenvolvido pelo ESO.
Segundo o potiguar Claudio Melo, diretor científico do ESO no Chile, para esse tipo de estudo não existe instrumentação adequada nos telescópios Gemini e Soar, também no Chile, construídos em parte com financiamento brasileiro. Também não seria possível obter neles o tempo de observação que o grupo conseguiu no ESO. Mais do que o acesso privilegiado aos equipamentos, Melo ressalta a importância de ser parte do empreendimento, algo que só faz sentido porque o país já tem uma comunidade astronômica madura para propor questões que avancem o conhecimento. “Os países membros podem propor projetos que avancem além da tecnologia existente, e participar no desenvolvimento dessa tecnologia”, explica.
O projeto liderado por Meléndez já dura dois anos, de um total de quatro anos. Nesse tempo ele pretende continuar a busca por planetas, por outras estrelas semelhantes ao Sol e caracterizar melhor a HIP 102152. Ainda não foi possível, por exemplo, avaliar a atividade da estrela, que diminui à medida que avança a idade do astro, e o seu período de rotação, que aumenta. Mas quatro anos são insuficientes, afinal os ciclos de atividade solar são mais longos que isso – aproximadamente 11 anos. Mais ou menos a duração do período orbital de planetas gigantes como Júpiter. Por isso ele pretende continuar a pesquisa após o fim do projeto. Para isso, depende da aprovação pelo congresso da entrada do Brasil como membro do ESO. “Se o país decidir embarcar nessa aventura científica, teremos acesso aos equipamentos mais avançados do mundo.”

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