Um estudo pioneiro começa a traçar a história evolutiva das galáxias.
Liderado pelo espanhol Enrique Pérez, do Instituto de Astrofísica da
Andaluzia, esse trabalho identificou onde e quando se formaram as
estrelas de uma centena de galáxias que surgiram nos últimos 10 bilhões
de anos e se encontram relativamente próximas à Via Láctea, que abriga o
Sol e a Terra. Publicado em janeiro deste ano na revista Astrophysical Journal Letters,
o estudo comparou diferentes tipos de galáxias e permitiu compreender
como a massa delas afeta o ritmo de formação de suas estrelas. Dessa
equipe participaram os astrofísicos brasileiros Roberto Cid Fernandes,
da Universidade Federal de Santa Catarina, que desenvolveu em 2005 o
Starlight, software que analisa a luz emitida pelas galáxias para
reconstruir a história de suas populações estelares e fazer uma espécie
de arqueologia estelar, e seu aluno de doutorado André Luiz de Amorim.
Massa elevada: Galáxias com massa superior a 70 bilhões de sóis, como a
NGC 6411, formam a maioria de suas estrelas em 5 bilhões de anos, a
partir do centro
A pesquisa confirmou que as galáxias com centenas de bilhões de
estrelas e massa muito elevada formaram a maioria delas há mais de 5
bilhões de anos, primeiro no centro e depois na periferia, e hoje são
verdadeiros asilos estelares. Já as galáxias menores, com poucos bilhões
de estrelas, continuam, depois de velhas, produzindo estrelas em todas
as suas regiões.
O estudo se baseou em dados do levantamento Califa (Calar Alto Legacy
Integral Field Area Survey), uma colaboração de 80 pesquisadores de 13
países que pretende observar em detalhes a formação de estrelas em cerca
de 600 galáxias. Iniciado em 2010, o projeto usa um telescópio do
Observatório de Calo Alto, na Andaluzia, Espanha.
Massa crítica: Galáxias com massa em torno de 70 bilhões de sóis, como a
NGC 4047, produzem suas estrelas em menos de 3 bilhões de anos, a
partir do centro
A amostra de 105 galáxias, descrita na Astrophysical Journal Letters,
é ínfima se comparada aos bilhões de galáxias que existem no Universo
visível. Também é pequena se comparada ao total de galáxias – quase 1
milhão – já observadas pelo maior levantamento astronômico já feito, o
Sloan Digital Sky Survey (SDSS), resultado do esforço de outro consórcio
internacional, que usa um telescópio nos Estados Unidos. Mas, enquanto o
SDSS analisou a luz das galáxias como se cada uma fosse um ponto no
céu, o Califa usa uma técnica mais cara e complexa, que divide cada
galáxia em mil pedaços e analisa a luz deles em separado. O resultado é
um mapa que revela diferenças nas propriedades químicas e físicas das
várias partes da galáxia.
O Califa observa galáxias situadas a distâncias relativamente
próximas – entre 70 milhões e 400 milhões de anos-luz – da Via Láctea.
Elas não ficam nem tão longe a ponto de serem observadas como eram no
passado remoto do Universo, nem tão próximas que se possa identificar
suas estrelas individualmente.
Massa crítica
Mas o critério de seleção mais importante foi observar galáxias das
mais variadas cores e brilhos. Vistas a mais ou menos à mesma distância,
as galáxias jovens são azuladas e as mais velhas, avermelhadas. Já o
brilho funciona como um indicador da massa da galáxia: quanto mais
brilhante, mais estrelas possuem. “A intenção foi garantir a diversidade
de galáxias, para ter uma visão global delas”, conta Fernandes.
Analisando os dados do Califa com o Starlight, os pesquisadores
determinaram qual combinação de estrelas jovens e velhas contribuía para
a luz de cada pedaço das galáxias. Assim, os astrofísicos identificaram
quando e com que frequência as estrelas se formaram nas várias regiões
galácticas.
Massa baixa: Galáxias de baixa massa, inferior a algumas dezenas de bilhões de sóis, como a UGC 9476, geram estrelas de modo contínuo em toda a sua extensão
A primeira diferença confirmada pelo estudo refere-se ao ritmo de
produção de estrelas. Galáxias com massa superior a 70 bilhões de sóis
condensaram todo o seu gás em estrelas rapidamente na juventude e
produziram a maioria de suas estrelas há mais de 5 bilhões de anos. Já
as galáxias de mesma idade, mas com menos de 10 bilhões de massas
solares, gastam o seu gás com parcimônia. “As galáxias de menor massa
continuam formando estrelas a uma taxa respeitável, enquanto para as de
massa elevada a festa já acabou”, diz Fernandes.
Outra diferença está na ordem de formação das estrelas. As galáxias
de baixa massa geraram suas estrelas mais ou menos ao mesmo tempo em
toda a sua extensão, começando um pouco mais cedo nas partes mais
externas. Nas galáxias de grande massa, entretanto, aconteceu o
contrário: a formação estelar começou mais cedo no centro e avançou para
a periferia. Esse padrão, aliás, parece ter ocorrido na própria Via
Láctea, uma galáxia com cerca de 60 bilhões de massas solares. “As
regiões mais distantes do centro da Via Láctea são mais pobres em
elementos químicos pesados do que a parte interna”, explica o
astrofísico Hélio J. Rocha-Pinto, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, que estuda os vestígios de colisão da Via Láctea com galáxias
anãs. “Isso é uma evidência indireta de que as estrelas da parte interna
se formaram primeiro e enriqueceram quimicamente essa parte da galáxia
mais rapidamente.”
Essa diferença entre centro e borda, porém, não aumenta sempre com a
massa da galáxia. Ela alcança seu máximo nas galáxias com massa em torno
de 70 bilhões de massas solares, nas quais as estrelas da região
central se formaram mais de duas vezes mais rápido do que as da borda.
“Essa massa crítica tem algo de especial”, diz Fernandes. Mas ninguém
sabe exatamente o que é esse algo especial. Rocha-Pinto sugere que a
massa crítica represente a massa a partir da qual as galáxias não
crescem isoladamente. Acredita-se que as galáxias maiores nasceram da
fusão de galáxias menores, eventos nos quais a formação estelar aumenta
na parte central da galáxia recém-formada.
Fernandes,
no entanto, chama a atenção para outra possibilidade. Galáxias grandes
têm buracos negros tão gigantes em seu centro que atrapalhariam a
formação estelar. Já em galáxias pequenas, menos estrelas se formam
porque parte do gás é expelido da galáxia durante as explosões de
supernovas. Ambos os efeitos poderiam ser menores em galáxias com a
massa crítica e aumentar a formação estelar. “A questão”, pondera
Rocha-Pinto, “é provar que os efeitos que propomos têm a magnitude para
explicar o que observamos”.
No ano que vem, os astrônomos do SDSS esperam iniciar um levantamento
semelhante, batizado de MaNGA, que mapeará 10 mil galáxias. “O aumento
de 100 vezes da amostra será transformacional”, diz o astrofísico Kevin
Bundy, da Universidade de Tóquio, Japão, coordenador do MaNGA. “Vamos
testar as conclusões do Califa e muito mais”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário